Responsabilidade Social e Sustentabilidade – Entre o dizer e o fazer tudo pode acontecer!

Em 2002, quando, a convite de António Capucho, voltei a integrar o Conselho de Administração da Tratolixo, uma das minhas primeiras tarefas foi assumir a gerência da empresa Tratospital – Tratamento de Resíduos Hospitalares Lda.

Esta empresa, criada em 1997 pela Tratolixo, em parceria com a IPODEC, atravessava na altura algumas dificuldades, tinha um passivo de cerca de 400.000 €, mas era um projecto que merecia um esforço de reorganização e recuperação económica.

Com uma política comercial mais agressiva, com a reestruturação da estrutura de produção, com a beneficiação e ampliação das instalações de tratamento, conseguiu-se recuperar a empresa e passá-la para um patamar de rentabilidade e recuperação do passivo.

Em 2007, a AMTRES, enquanto accionista da Tratolixo, deliberou alienar a participação de 51% que detinha na Tratospital.

Em finais de 2008 foi negociado com a IPODEC a venda dessa participação por cerca de 400.000 €.

A IPODEC, agora grupo EGEO, dividiu este investimento com a SAPEC Quimica SA. passando a Tratospital a ser gerida em conjunto por estas duas empresas.

A Tratospital nos últimos anos foi uma pequena empresa, com 32 funcionários, que gerou resultados positivos depois de impostos. Em 2009 ultrapassou os 200.000 €.

A Tratospital tem uma quota de mercado de cerca de 15% dos resíduos hospitalares nacionais e assegura ainda o tratamento de mais 15% de RH provenientes de um dos seus concorrentes, o SUCH.

O mercado nacional tem 3 grandes empresas de Tratamento de Resíduos Hospitalares: A Ambimed, o SUCH (empresa de capitais públicos) e a Tratospital.

A bomba caiu há alguns dias.

O Grupo EGEO e a SAPEC decidiram vender a Tratospital por (diz-se…) 1,7 milhões de euros ao Grupo Ambimed.

Consultada a Alta Autoridade da Concorrencia não viu inconveniente que o grupo Ambimed passasse a deter, com esta aquisição, cerca de 85% da capacidade de tratamento de resíduos hospitalares instalada em Portugal ou que ficasse com uma quota de mercado muito superior a 50%.

O bizarro é que todos temos consciência que a esmagadora maioria das facturas do tratamento de resíduos hospitalares é paga pelo SNS, ou seja, dinheiro público.

O Grupo Ambimed já decidiu despoletar o despedimento colectivo dos 32 funcionários da Tratospital.

Uma empresa rentável, manda para o desemprego os seus 32 funcionários!

Qual é a moral desta história?

Aparentemente nada de ilegal aconteceu. Pode-se discutir a decisão da AAC, mas apenas isso.

Mas afinal o que é a responsabilidade social e a sustentabilidade tão em voga nos tempos de hoje?

Como é possível que uma situação como a que acabei de descrever, possa estar a acontecer?

No Grupo EGEO e na SAPEC certamente as garrafas de champanhe já foram abertas para comemorar mais de 1 milhão de euros de mais-valias neste negócio. Deverá ter sobrado alguma tacinha para alguns dos actuais Administradores da Tratolixo.

O Grupo Ambimed vê, finalmente ao fim de tantos anos, a confirmação da sua posição hegemónica no mercado do tratamento de resíduos hospitalares em Portugal e vai passar a ditar o preço a praticar.

Os funcionários da Tratospital que tornaram possível trazer esta empresa de resultados negativos de 400.000 € para os lucros anuais de 200.000 € recebem uma carta. Uma carta de despedimento colectivo.

A Susete, que foi mãe há pouco tempo, assim como a Helena, a Sónia que acabou de casar, o Carlos e o José, na casa dos cinquenta e que há mais de dez anos eram motoristas de recolha de Resíduos Hospitalares, receberam uma carta de despedimento.

Esta é a Responsabilidade Social que alguns dos nossos gestores pôem na sua acção do dia-a-dia.

Alguns deles estarão no próximo domingo a bater com a mão no peito em uma qualquer igreja para a seguir juntar a sua família para um opíparo almoço, pago com o dinheiro gerado por mais um negócio estrondoso.

No mesmo domingo, os 32 funcionários da Tratospital estarão a tentar perceber de onde veio a mão que lhes pregou tal bofetada…

Comentários

  1. Caro Eng.º, Acrescentaria apenas o seguinte: Perante o que refere haverá uma economia de mercado em Portugal? Haverá competição baseada na qualidade ou os "connections" e as "negociatas" - perdoe-me o populismo - são o mote da nossa economia.

    Não deixe de escrever e de trabalhar.

    ResponderEliminar
  2. Responsabilidade Social? Com gestores egocentricos e pouco visionários? Quem tem valor mas não faz parte da equipa de golf é esmagado, e os valores que contam nestas transações não são nem a sustentabilidade,nem a economia nacional, nem o PEC....e nós, digo a maioria, a pagar...como dormem?...que Ex emplos são para os filhos?

    ResponderEliminar
  3. Ah, mas isto é possível porque anda-se a privatizar serviços públicos. Não sei qual é a teoria para que serviços como a recolha do lixo (ou água, ou luz ou outro semelhante) sejam privatizados. Significa que se eu não quiser que a recolha do lixo seja feito por esta empresa e sim pela outra (tal como eu faço com a internet, telefone, banco, etc, etc) o posso fazer livremente?! Ou a Câmara faz contrato com uma empresa privada para a recolha do lixo e ao fim de 5 ou 10 anos de contratos opta-se por outra e a anterior fica com uma frota de carros de recolha de lixo parada e uma quantidade de recursos humanos no desemprego.

    Este tipo de privatização só é boa para os pseudo-gestores e para os improváveis donos dessas pseudo-empresas. Mas ainda bem que temos o José Sócrates e o PS que nos defendem desses lobos maus (leia-se politicas de direita)... ou talvez não!

    Esta situação aqui relatada só foi possível graças à permissividade da Câmara neste processo ao permitir que um serviço básico e essencial fosse negociado. Quem assumiu esse negócio que tenha a coragem de agora arcar com as responsabilidades dos despedimentos.

    ResponderEliminar
  4. As suas oportuníssimas palavras deveriam fazer corar de vergonha todos os que tomaram parte nas decisões que levaram a esta situação. Mas tenho a certeza que isso nãoi irá acontecer porque já não há pudor. E, pior ainda, esses mesmo já nem dão conta que o não têm!
    Um forte abraço e naão desista!
    Álvaro Costa

    ResponderEliminar
  5. Acredito que água mole em pedra dura... Quem com ferro mata com ferro morre. Talvez entre os detritos vá uma seringa envenenada...

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

AFINAL PARA QUE SERVE UMA JUNTA DE FREGUESIA?

A VERDADE, AS MENTIRAS E AS INSINUAÇÕES

TODOS OU PARTE, TALVEZ OU NUNCA…